03/04/2014


                                          O SENADO E O IMPÉRIO

Por: Gileno Guanabara, advogado

             O Senado, ao tempo do Império, consagrado na Constituição de 1824, era chamado “Câmara vitalícia”. Sua primeira sessão preparatória deu-se a 29 de abril de 1826. Três anos após a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, foi instituída a Assembleia Geral Legislativa, composta por 100 deputados. O Senado era integrado por 50 senadores, os notáveis, com idade mínima de quarenta anos. Gozavam de vitaliciedade, atributo de independência. Referia-se o texto constitucional ao “saber”, à “capacidade” e à “virtude”, como precondições dos que, ungidos pela atividade profissional ou liberal, auferissem renda apreciável que a própria lei quantificou. Eram os “homens bons”.

            Pelas regras regimentais, cabia à presidência do Senado estabelecer a ordem dos trabalhos; interromper a sessão; impedir de falar o orador que se desviasse dos debates; retirar do recinto o senador, ou, em caso de tumulto, apelar para o último dos recursos: “colocar o chapéu na cabeça”. As sessões davam-se a partir das 10 horas da manhã, alongando-se até às 14,00 horas. Os trabalhos não eram finalizados sem que “antes se encerrasse o discurso do senador que estivesse de pé”.  

            Dados os fatos ocorridos no ano de 1822, durante os embates relativos à proclamação da independência, o povo não raro manifestou-se aliado da Câmara. Já o Senado, pelo seu conservadorismo, se submetia não raro aos interesses da família real. Tal posicionamento não excluía divergências ocasionais, tornadas públicas. A nomeação do General João Vieira de Carvalho, para o cargo de senador pelo Ceará, depois agraciado com o título de marquês de Lajes, o Senado contrariado negou-se a convalidar o ato do monarca e a nomeação teve de ser desfeita.

            Outro momento delicado da vida senatorial, tempo da truculência do Ministério do Padre Diogo Antônio Feijó, fora a destituição de José Bonifácio da tutoria de Pedro II. Dada a proeminência política do Patriarca, a sua demissão sumária criou impasse para com o Senado que rejeitou a medida já aprovada pela Câmara. Durante a crise, o padre Feijó acusava o Senado de ser instrumento de conservadores que conspiravam e tramavam favoravelmente à restauração de Pedro I. Para isso, Feijó instava à Câmara a se proclamar assembleia nacional, com poderes absolutos e dar fim à crise. O acirramento chegou ao ultimato feito por Feijó de abandonar o Ministério da Justiça: Ou Feijó, ou José Bonifácio, eis a questão. Mas o Senado decidiu: ficou com José Bonifácio, saiu o Padre Feijó.

            Igual contenda verificou-se em o Senado contrariar a proposta de banimento de Pedro I, aprovada pela Câmara. Foi durante a presidência do marquês de Paranaguá que se deu o primeiro embate, a fim de antecipar a maioridade de Pedro II. Juntos, a Câmara e o Senado desobedeceram às ordens do governo pelo adiamento das sessões. Sob o chamamento de Antônio Carlos – “Quem for brasileiro, siga-me para o Senado” – as minorias das duas casas legislativas proclamaram a maioridade.

            Durante o Segundo Império, duas forças políticas se equilibraram: o Senado e o poder moderador do monarca. A “câmara vitalícia” se impunha como “a casa dos chefes”, através de que a política advinha notável, como afirmou Martinho Campos. Durante 63 anos de monarquia, de 1826 a 1889, o Senado contou com 20 presidentes. O primeiro acolhido por aclamação, o marquês de Santo Amaro, a quem coube a instalação da sessão inaugural, em 6 de maio de 1826. O último foi Paulino José Soares de Souza, eleito no ano de 1889, e que, no dia 16 de novembro, sentou pela última vez na cadeira presidencial do Senado. Apenas três ministérios se formaram sem a presença de senadores: o da regência trina e o da regência Feijó (janeiro/outubro de 1835); e o da regência de Araújo Lima (setembro de 1837).

            Figuras da formação política brasileira fizeram a historiografia do Senado: Nabuco de Araújo; o padre Diogo Antônio Feijó; o visconde do Rio Branco; o marquês de Paraná; o Conselheiro Dantas; o visconde de Abaeté; Saraiva; o barão de Cotegipe; João Alfredo; o marquês de Olinda; o duque de Caxias; José Bonifácio, o moço; o visconde de Inhomirim; o marquês de Monte Alegre; Lafayette Rodrigues Pereira; o barão de Uruguayana; o visconde de Sinimbu; Antônio Carlos; e Francisco Octaviano.

            Rocha Pombo, em sua História do Brasil, relata que o senador Feijó, ex-regente do Império, e o Brigadeiro Rafael Tobias Aguiar, ex-presidente da Província, chefiaram a revolução de 1842, em São Paulo. Para abafar o movimento, o governo imperial enviou tropas fiéis comandadas pelo General Lima e Silva, o Barão de Caxias. Concluída a missão, o comandante dirigiu-se à Rua das Flores, onde se hospedara o Senador Feijó. Diante da sua presença em sala, após os gentis cumprimentos, o general perguntou sobre a saúde do ex-ministro. Por fim, revelou o motivo da visita: “Só o dever de soldado me impõe a dolorosa incumbência de vir prender o senador Feijó, um dos chefes do movimento revoltoso. Convido-o, pois, a acompanhar-me”. Ao que Feijó retrucou: “Sr. General, estou às suas ordens”.

            Enquanto aguardava providências médicas, haja vista encontrar-se paralítico de uma das pernas, o senador dirigiu-se ao General, lembrando ocorrências de 1831, quando o nomeara Major do Corpo de Permanentes: “O sr. é moço, aprenda no que está vendo, o que são as vicissitudes do mundo. Naquele tempo, eu dava acessos ao sr. Lima e Silva, hoje vem ele prender o velho Feijó, já moribundo.”. Caxias retrucou, na mesma moeda: “Sou soldado e cumpro ordens do Governo, ordens iguais às que me deu o sr. Feijó quando era Ministro da Justiça: varrer os revoltosos a ferro e fogo e prender os cabeças da revolta.”.

            Os fatos que se sucederam à prisão de Feijó não trazem divergências históricas relevantes. Uns afirmam a prisão “sob palavra” do senador no Quartel General; outros  de sua permanência na casa onde se encontrava, sob as ordens do então General e barão de Caxias: “O Feijó continua guardado...visitas me tem feito” (em carta, Caxias ao barão de Monte Alegre). Depois do exílio imposto no Espírito Santo, o senador Feijó retornou à tribuna do Senado, onde fez a sua defesa.  

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