01/05/2014

SP



OCORRÊNCIAS DA CAPITANIA DE SÃO PAULO
Gileno Guanabara, sócio do IHGRN

Histórias de 1730, da capitania de São Paulo que Affonso d’ E. Taunay noticiou. O sr. Caldeira Pimentel, em 1727, assumiu o cargo de Capitão General, em substituição a Rodrigo Cesar de Meneses. Como governador, sua missão prioritária seria edificar a casa de fundição, para controlar a sonegação e recolher o quinto do ouro.

Teve singular repercussão, porém, a sua pendenga em ordenar a prisão, por 15 dias, de dois senadores, Felippe Santiago Diniz e Manuel Luiz Ferraz. Mais alvoroçado ainda, o juiz Domingos de Camargo convocou, em substituição, o Capitão Francisco Correia de Moraes e o sargento João Delgado de Camargo. Reassumidos em seus cargos, os senadores informaram a causa da desdita. A defesa das prerrogativas municipais que tinham feito, insurgindo-se contra a usurpação governamental que, passando por cima do Conselho, nomeara dois apaniguados seus, para os cargos de carcereiro e alcaide. Havia também a denúncia feita pelos perseguidos referente a pessoa de Bernardo Ferreira, apadrinhado do governante, contra quem se avolumava o clamor dos sapateiros da cidade, sob a acusação de ser “açambarcador de couros e solas”. Os alcaides requereram que fosse lavrado registro especial no livro das Atas do Conselho e “os houvessem por absolutos,” ... “por parte do Governador e dos ouvidores e corregedores da comarca.”.

O atrabiliário Caldeira Pimentel compareceu perante a Câmara.  Justificou o ato. Segundo ele, ao tempo do governante anterior, as Câmaras submetiam ao crivo dos capitães generais tais nomeações. Saciado o ego dos senadores presos, o fato caiu no perdão do esquecimento. Restaram, como mau exemplo, o populismo das nomeações amigáveis, e a rotina da Câmara que permaneceu coagida, sem haver oposição.

 Outra crise decorreu do êxodo generalizado dos cidadãos, quer pelo medo da epidemia de varíola, quer pela atração generalizada pelas minas de Guaiazes, sem as devidas comunicações. A debandada forçou o procurador Pedro Taques Pires a pedir a condenação dos vereadores Francisco de Godoy e de Bento de Siqueira, em dois mil réis, ou de serem oneradas as suas fazendas em paga pelo fato de suas ausências.

Uma nova crise viria a ocorrer, envolvendo o insaciável Caldeira Pimentel que se vinculara ao pernicioso Sebastião Fernandes do Rego. Reinol, filho espúrio do cônego da Sé de Lamego, Portugal, viera “fazer a América”, como se dizia. Associado o seu apetite por riqueza ao do governante, Sebastião Fernandes foi nomeado “procurador da Corôa e da Real Fazenda”. E teve outra nomeação não menos importante: a de “Provedor dos Quintos e da Casa de Fundição de São Paulo”. Por essas circunstâncias, passou Sebastião a perseguir com tenacidade os sertanistas e descobridores das minas de Goiás e a locupletar-se o quanto possível.

Dá-nos o historiador a noção de fatos perniciosos atribuídos àquela autoridade, como fora o golpe da substituição dos quintos de ouro cuiabano por barras de chumbo, quando de sua remessa à Lisboa, em baús lacrados pela Provedoria paulista. Fora comunicada pelo Capitão General Rodrigo César de Menezes a remessa em caixões de Cuiabá para o Rio de Janeiro, contendo quatro arroubas e setecentas oitavas de ouro, em pó e em folhetas (sessenta quilos), com a recomendação de não serem abertos, sob os cuidados da tropa chefiada pelo cabo João Antunes Maciel, presentes o padre André dos Santos Queiroz e o ajudante Manuel Dias Barros.

O remetente recomendou que do Rio de Janeiro, caso não fosse alcançada a frota que conduziria a carga, retornar-se-ia para São Paulo, ao aguardo de novas ordens suas. Anexo àquelas determinações, e por mais segurança, havia o certificado do provedor da Fazenda Real em Cuiabá da confiança do padre que conduzia o quinto a São Paulo.

O provedor da Fazenda Real no Rio de Janeiro, Bartholomeu de Siqueira Cordovil, escreveu a Sebastião Fernandes (1727), dando conta da entrega pelo ajudante Manuel Dias Barros ao Almoxarife da Fazenda Real de 55.442 oitavas em seis caixotes lacrados, remetidos pelo capitão general de Cuiabá, devidamente conferida e pesada, constando o recebido em perfeita ordem.

Chegada em Lisboa a dádiva remetida e na presença do rei D. João V e dos ministros rejubilados, no entanto, abertas as trincas, o desespero tomou conta dos presentes. Em lugar do ouro, encontravam-se nos caixotes “barras de chumbo”, ainda que os invólucros se achassem lacrados e intatos os selos reais.

Caldeira Pimentel e o seu sócio de trapalhada, Sebastião Fernandes, acusaram a Rodrigo Cesar de Menezes e, na condição de co-autor, a Jacintho Barbosa Leite que, presos, sob ferros, seguiram para o calabouço de Limoeiro, Lisboa, onde permaneceram por anos. A Rodrigo Cesar não foi difícil comprovar a sua lisura perante a Corte portuguesa e viu-se perdoado das agruras sofridas injustamente.

Uma provisão expedida por Caldeira Pimentel, na vigência do seu governo (1727/1730), dá-nos os limites da prepotência que submeteu os demais sob o peso de sua arrogância e ultraje: “ ... que toda a pessoa que o encontre ponha joelhos em terra, e espere assim athé passar S. Ilustríssima e assim se estiver em algum lugar parado faça o mesmo, e recebida a bença se Levantarão e hirão seguindo o seu Caminho”. E seguia a provisão: “entrar sempre primeiro, pelas portas das casas que visitasse e ali ter a melhor cadeira. Recebido à soleira da rua pelo visitado, só podia este sentar-se quando a isto fôsse convidado e em cadeira designada. Que ninguém se recolhesse emquanto não o autorisasse...”.

Nesse tempo, vigiam os termos da Carta Régia, de março de 1728, autorizando as autoridades enforcar publicamente os delinquentes “de condição vil e ordinária” .... “para que vendo o povo o castigo lhe servisse de exemplo; frequentes como eram os delictos nas terras da capitania”.

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