10/07/2014


 A viagem de Leão Veloso, última parte


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, sócio do IHGRN e do INRG

Eis-me pisando sobre o solo de Mossoró (10 de agosto de 1861), lugar de minhas simpatias, e que incontestavelmente virá a ser um dos pontos mais importante da província pela vantajosa posição topográfica em que se acha.

Colocada em uma extensa e linda esplanada que se alonga até a barra, 7 léguas ao sul, a Vila de Mossoró contém um sofrível povoado, cujo número de edifícios talvez exceda de 120, e um comércio já bastante agitado até ali se observa.

O Reverendo Vigário Antonio Joaquim Rodrigues, que, como os habitantes de Apodi, jazia também em dúvida a respeito do dia certo em que o Exmo. Sr. Presidente deveria ali passar, foi quem, indo ao seu encontro já quase dentro da rua, ofereceu a sua casa para o nosso alojamento, tratando-nos com aquela afabilidade e franqueza que lhe são tão notáveis.

Conta Francisco Othílio, relator da viagem, que foi convidado para ir à casa de umas moças, que haviam também assistido à festa no Caicó, para ouvi-las tocar violão e flauta e cantar algumas modinhas, tendo se dirigido para lá em companhia do inspetor João Carlos, amigo da família. Aí faz o seguinte comentário: quem tem visitado a nossa capital onde a maior parte das moças é tão acanhada, e sem gosto para música, que juízo não fará dos mais lugares! Eu, porém nesta viagem fui testemunha do contrário, encontrando moças verdadeiras apreciadoras de música, e até de alguma instrução. 

Ás três horas da tarde (do dia 11) principiaram a chegar os cavalos para o nosso transporte, e às 5 horas já perdíamos de vista alguns edifícios da Vila de Mossoró, da qual me apartava com saudades. Neste trajeto teve S. Exc. de visitar um armazém que existe na distância de uma légua, pequeno receptáculo de diversos gêneros que são exportados daquela Vila em barcaças, as quais nas enchentes das marés chegam até ali; depois do que tomamos o caminho que devia levar-nos a Macáo, pernoitando-se na Fazenda Umari, duas léguas distante de Mossoró, onde chegamos favorecidos pelo astro da noite que já derramava um pequeno clarão. E assim às 3 horas da madrugada deixamos Umari, chegando-se ao lugar denominado Entrada, pequeno povoado da costa entre Macáo e Mossoró, às 10 horas.

Descansamos em casa de um homem, de nome João Filippe, o qual nos hospedou segundo a sua posição e circunstancias, suprindo algumas falhas, que todavia não eram para estranhar em um lugar como aquele falto de certos recursos, os seus modos afáveis.

Seriam pouco mais ou menos 3 horas da tarde, quando deixamos a Entrada, tocando às seis horas na Ponta do Mel, onde nos demoramos somente enquanto tomávamos uma fartada de peixe fresco, em casa do senhor Paulo Gomes da Costa, que já prevenido se achava de que por ali passaríamos; continuando depois a nossa marcha para Cacimbas de Vianna, fazenda do Major José Martins Ferreira, aonde chegamos às dez horas da noite.

Duas noites e um dia foi quanto nos demoramos em Cacimbas de Vianna, onde passamos muito bem, não só em razão do cavalheirismo com que fomos tratados pelo major José Martins Ferreira, mas também pelas comodidades que oferece aquele agradável sítio.

Ainda estávamos desfrutando o agradável sono da madrugada do dia 14 quando um homem nos bateu à porta anunciando que em um porto distante dali meia légua pequena se achava uma barcaça convenientemente tripulada para transportar-nos a Macáo, acrescentando mais que algumas pessoas que deviam acompanhar-nos se achavam a bordo da mesma barcaça.
Posta a bordo a nossa bagagem, embarcamos. Eram 7 horas quando fizemos de vela. Uma breve viagem de 2 a 3 horas, o mais tardar nos prometiam os homens da tripulação e o Sr. André de Miranda experimentados naquele trajeto, que compreende três légua marítimas.

Mal, porém, pensavam eles que daquela vez tinham de ver falhar todos os seus cálculos, pretendendo marcar uma viagem que fazíamos a mercê dos ventos. Com efeito, apenas a embarcação que nos conduzia principiou a demandar os mares da costa, vento contrário logo soprou e toca a bordejar; acontecendo por duas vezes que fomos tão fora, que quase perdíamos a terra de vista. 

Eram 2 horas da tarde, e nós tendo em frente a barra não a podíamos ganhar. Ainda àquela hora navegávamos com proa de mar quando caiu o vento nordeste, pelo qual tanto suspirávamos; virou-se então de bordo, e a barcaça cortando suavemente as águas levou-nos à Macáo, onde aportamos às 4 horas da tarde.

Algumas pessoas em cujo número estava o Sr. Deocleciano foram esperar-nos à praia, tomando S.Exc. a casa deste Sr. por quem fomos bem hospedados.

Conta Francisco Othílio, que por atraso do vapor Jaguaribe, só começaram a viagem de regresso para Natal às 9 horas dia 22 de agosto e, às 9 horas da noite já estavam em Pititinga.

Para encerrar, algumas observações: Foi em Cacimbas de Vianna, localizada, hoje, em Porto do Mangue, que nasceu minha avó, Maria Josefina Martins Ferreira. Batizada em Angicos, teve como padrinho o seu avô paterno, major José Martins Ferreira, um dos primeiros povoadores da Ilha de Macau, vindo da Ilha de Manoel Gonçalves. O major era trisavô paterno e materno do ex-governador Aluízio Alves e materno do deputado federal Aristófanes Fernandes.
Deocleciano, que hospedou o presidente, deveria ser o tenente-coronel, Deocleciano Ernesto de Albuquerque Mello, que foi administrador de rendas em Macau e agente da Companhia Pernambucana. Era pai do doutor Euclides Deocleciano de Albuquerque, que foi vice-presidente da nossa província.
José Martins Ferreira, meu trisavô, paterno

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