11/10/2014


AFLIÇÃO E MORTE NA PRAIA (1)

Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura


O mar tem vida e dá vida. Tendo vida, sofre e ama. Quem soluça a sua dor, senão, as suas vagas noturnas? Quem exprime a alegria do seu coração inquieto, senão as "espumas sorridentes" das suas ondas matinais?!
O mar, que dá vida, pode, também, ocasionar a morte ou causar o desespero.
Das praias natalenses a mais perigosa delas é a chamada Praia do Meio, compreendendo a orla marítima que se derrama da Ponta dos Morcegos à Praia do Forte, pontos extremos das praias de nomes: dos Artistas e do Poço do Dentão.
Desde menino que ouço falar em afogamentos de banhistas por aquelas bandas. A minha mãe guardava um recorte de jornal, do seu tempo, em que narrava um afogamento não consumado, ali, em  que papai figurava como salvador de uma pessoa. Depois, muitos casos havidos de salvamentos por intervenção miraculosa de terceiros.
Parece existir, nessa área, uma nova Medusa fabulosa, habi­tando aquelas locas e caldeirões, petrificando os nadadores incau­tos que lhes miram os olhos ardentes, arrastando-os para o rede­moinho da morte. Ou, então, caravelas róseas-violáceas, envene­nando com seus raios e tentáculos letais, a quem se adentra no oceano bravio.
Quantos não já perderam a vida, em minutos, dominados pelo pânico paralisante e tragados pelas ondas traiçoeiras; e que, meio submersos, com os pulmões cheios d'água, foram levados pela correnteza até a distante Praia da Redinha!
Quantos amigos e parentes, que alegres vão desintoxicar o corpo e o espírito na Praia e são sobressaltados com os afogamen­tos, retornando aos lares envoltos pelo véu da tristeza.
Narro, aqui, três episódios diferentes e verídicos em que a morte e o desespero rondaram aquela área litorânea.
Conheci Milu, rapaz cheio de vida e de alegria contagiante. E presenciei o seu mergulho para a morte. Foi numa manhã de domingo de Verão. Pilotava ele um pequeno avião Teco-Teco, como era chamado, na época, nos idos de 1950, mais ou menos. Depois de algumas acrobacias e voos rasantes, numa curva rápi­da, o vento forte partiu-lhe uma das asas. E o pássaro metálico rodopiou, vertiginosamente, mergulhando nas águas frias da Ponta dos Morcegos, ali perto dos negros rochedos, como ícaro precipitou-se, derretidas as asas, no mar Egeu.
Vi o lance como se fora numa tela de cinema. E nadei com alguns amigos até bem perto do local e só vimos os destroços da pequena aeronave e o alvoroço da tragédia.
O cadáver do co-piloto fora resgatado. E Milu teve o mar como sepultura, como os têm os heróicos marinheiros. Jamais o seu corpo aflorou às águas...
Este caso isolado não se configurou num afogamento natu­ral, por ter sido um desastre.
Porém, incontáveis são os registros de afogados naquela linha d' água.
Outro caso foi o da poetisa Zila Mamede. Minha com­panheira de praia, nos verões da Areia Preta, nos anos quarenta, Zila, com seu corpo esguio, era uma exímia nadadora.
Igualmente aos outros, o seu pálido corpo foi arrastado pela correnteza à Praia da Redinha; boiando, qual o de Ofélia shakespeariana, com os cabelos amarfanhados e de rosas cobertos; e, como a meiga Ofélia, inconscientemente cantando estrofes de antigas árias...
Não houve notícia de alguém ter presenciado a sua agonia, desfalecendo no mar. Continua envolta em mistério, como os caprichos da urna da fatalidade, a deusa da Noite.

A sua dor a todos aturdiu. E a cidade chorou o pranto amar­go pela morte inesperada e misteriosa da sua poetisa maior.

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