08/02/2015

Por um novo direito de águas (II)

Francisco de Sales Matos

Prof da UFRN e Procurador do Estado

Volto a este espaço para revisitar o tema “por um novo direito de águas”, trazido aos leitores deste conceituado Jornal no penúltimo domingo. Naquela oportunidade, alertei que passamos a viver perigosamente no que concerne a questão da água. E mais: o que era outrora apenas um drama nordestino, passou a ser um drama nacional. Apontamos que o manejo inconsequente dos recursos naturais, renováveis e não renováveis, determina o desastre de hoje. Mas, o que preocupa mesmo (ou não) é que esse desastre não deita raízes nos milhares de anos de nossa existência, senão nos últimos cinqüenta anos de nossa história. Realçamos, então, nossa argumentação atribuindo ao fenômeno da escassez hídrica à morte dos rios, das florestas e dos nossos mananciais em geral, reservando, porém, como motivação principal para a seca que assola o Sudeste e o Centro Sul do País, a destruição desvairada e impiedosa da floresta amazônica.

Pois bem, nessa perspectiva me foi oportunizado entender cientificamente, como sempre sói acontecer lá no Clube do Guaraná, desta feita mediante as lições do professor Marcelo Amorim, um admirador nato das coisas belas da natureza, como se opera o fenômeno. Então, pude constatar o que tem a ver a destruição da floresta amazônica com a seca que assola o Sudeste e o Centro Oeste do País. Apontou-me ele (prof. Marcelo) o relatório intitulado “O Futuro Climático da Amazônia”, registrando que um total de 762.979 quilômetros quadrados de desmatamento foram acumulados na Amazônia (até 2014). Isto representa uma área correspondente a pelo menos quinze Rio Grande do Norte ou a três São Paulo. Ainda, que segundo o biogeoquímico Antônio Nobre “já foram destruídas pelo menos 42 bilhões de árvores na Amazônia. Em 40 anos, foram cerca de 2 mil árvores por minuto. Os danos dessa devastação já são sentidos, tanto no clima da Amazônia – que tem sua estação seca aumentando a cada ano – quanto a milhares de quilômetros dali”. 

São esses os dados que levaram o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) a relacionar a seca que atinge o Sudeste, especialmente São Paulo, com o desmatamento da Amazônia. A revisão de literatura sobre o assunto levada a efeito pelo Prof. Antonio Nobre mostra que a redução da quantidade de árvores no local afeta os “rios aéreos” de vapor, responsáveis pelo transporte da água que cai com as chuvas nas regiões brasileiras mais distantes. Eis, portanto, “a razão de a porção meridional da América do Sul, a leste dos Andes, não ser desértica, como nas áreas de mesma latitude a oeste e em outros continentes”. Segundo ele (Nobre) a floresta mantém úmido o ar em movimento, levando chuvas para regiões internas do continente. “O ar úmido é exportado para o Sudeste, o Centro-Oeste e o Sul do Brasil, por rios aéreos de vapor, mais caudalosos do que o Rio Amazonas. Sem isso, o clima nessas regiões se tornará quase desértico. Atividades humanas como a agricultura entrarão em colapso”, declarou. 

A Amazônia, continua o cientista, regula o clima do continente graças à capacidade da floresta de transferir 20 trilhões de litros d’água por dia para a atmosfera. Segundo ele, a transpiração das árvores, combinada à condensação vigorosa na formação de nuvens de chuva, rebaixa a pressão atmosférica sobre a floresta. Com isso, ela “suga” o ar úmido do oceano para o continente, mantendo as chuvas em qualquer circunstância. “Isso explica por que não temos desertos nem furacões a leste dos Andes. Pelo menos até agora, porque se continuarmos derrubando a floresta, o fluxo se inverterá: o oceano é que sugará a umidade da Amazônia. Assim, poderemos ter no continente um cenário semelhante ao da Austrália, com grandes desertos e uma franja úmida próxima do mar”, afirma o pesquisador.

Por fim, considerando que a acumulação desenfreada e irresponsável não permite à sociedade brasileira (e do Continente) enxergar que corre sério perigo em sua própria existência e que mais de 60% da devastação da Amazônia decorre de gestão criminosa ou no mínimo não sustentável, é que cada vez mais afirmo a convicção de que o atual estágio do direito vive com um pé no passado e se não se apresente compatível para reger o fenômeno social do presente, como o regerá no futuro? Então, não há como enfrentarmos um desastre dessa dimensão sem nos pautarmos por uma nova ordem jurídica, sobretudo para gestão das águas, se quisermos legar algum espectro de natureza para as futuras gerações.

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