06/01/2015

TRÊS ANOS DA PARTIDA DE ENÉLIO

 

Foi um baque a triste notícia, em pleno dia dos Reis Magos. Enélio Lima Petrovich, o guardião do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte por 48 anos encantou-se naquela data de 2012.
A cidade, nesse período, tem uma debandada para viagens e para o veraneio. Mas logo os amigos foram retornando a Natal e o velório aconteceu no próprio Instituto, deixando saudosos os seus familiares e amigos, que estiveram presentes na solenidade fúnebre.

Os jornais do dia seguinte noticiaram o acontecimento, com destaque, correspondendo à importância daquele tão festejado intelectual, cuja característica marcante era o de sempre se fazer presente a todas as solenidades comemorativas da cultura e da história potiguar.
Yuno Silva e Tádzio França - repórteres da Tribunal do Norte escreveram:

A clássica “Royal Cinema”, composição do potiguar Tonheca Dantas, anunciou aos amigos e familiares que era chegada a hora do derradeiro adeus a Enélio Lima Petrovich, nome que entra para a história como o mais longevo dos gestores à frente de uma instituição pública no Estado. Lembrado por sua dedicação à preservação de documentos e registros históricos que guardam a memória social, cultural e política do RN, Petrovich fez questão de deixar escrito de próprio punho seu último pedido na contra-capa de um CD: “Para meu velório no salão nobre do IHG/RN. E quando? Só Deus sabe...”
Alex RégisMorre o advogado e escritor Enélio Lima Petrovich. Ele esteve à frente, por quase cinco décadas, da mais antiga entidade do Estado, o Instituto Histórico e geográficoMorre o advogado e escritor Enélio Lima Petrovich. Ele esteve à frente, por quase cinco décadas, da mais antiga entidade do Estado, o Instituto Histórico e geográfico


Rodrigo SenaO velório na sede do Instituto Histórico foi um dos pedidos dele. 
O velório na sede do Instituto Histórico foi um dos pedidos dele.

Mais uma vez estamos em pleno veraneio e voltamos nossas lembranças àquele querido amigo, que certamente será motivo de muitas orações em sufrágio de sua alma.
O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, a partir do seu falecimento, voltou-se para realizar aqueles sonhos de que tanto falava - a recuperação do rico acervo, que já tem projeto para sua recuperação, digitalização e colocação em forma de mídia eletrônica para a preservação dos originais, conforme a meta prioritária do Presidente Valério Mesquita.


 


05/01/2015


Barafunda nas contas públicas

Francisco de Sales Matos 
Advogado, Prof. da UFRN

Aproxima-se a posse do novo governador e com ele a angústia de administrar um verdadeiro caos nas contas públicas. Relâmpagos, raios e trovoadas anunciam o inverno negro que advirá. Com ele prenunciam-se, lamentavelmente, chuvas torrenciais de problemas que se precipitarão sob um lastro público já devastado de um lado, pela ganância do ter, cuja medida não enche nunca; do outro, pela irrupção dos conflitos advindos de demandas reprimidas, fruto das carências que advêm de todo lado. Os Poderes aumentaram seus gastos em mais de trezentos por cento, nos últimos oito anos. Comida pouca, meu pirão primeiro. Os sindicatos já gritaram: não mexa conosco, não somos responsáveis pelo desmantelo; os fornecedores querem receber o que lhes é devido; os servidores públicos estão entrando na Justiça para receber direitos básicos e até constitucionais, como o terço de férias, abono de permanência, planos de cargos e salários e por aí vai. Pense numa equação difícil!

Mas, é isto aí. Quem está na chuva é pra se queimar, já dizia um “sábio” presidente de um famoso clube de futebol. Então, vencido o mais difícil, ou seja, uma eleição que se anunciava, inicialmente, sem qualquer perspectiva de vitória, espera-se que agora o novo governo tenha a mesma persistência, grandeza de espírito e sabedoria, dos justos, para resolver essa equação, cuja resolução requer a construção de uma matriz extremamente complexa, meta ciências exatas, porque haverá de trilhar os ínvios caminhos da articulação política e adentrar com maestria no âmago da técnica, tudo devendo ser percucientemente laborado, passando ao largo do empirismo (achismo), sob pena de o amadorismo ditar as regras do jogo governamental. 

Refletindo, então, a realidade que se apresenta é coisa de peso, e de peso pesado. Compulsado os jornais do dia vislumbro logo de saída a manchete deste jornal (Quinta feira – 11/12) de teor seguinte: “Secretário alerta que faltam R$ 150 milhões para salários”. Ora, uma notícia dessas, a essas alturas, é um cruzado de direita na ponta do queixo do adversário. Mas, esta é a verdade nua e crua. E não adiante ir atrás de culpados, para privilegiar desculpas. O Presidente do Tribunal de Contas do Estado, no entanto, já firmou seu juízo de valor ao declarar categoricamente que parte da crise financeira vivenciada pelo Estado deve-se ao Poder Executivo, que, segundo ele, perdeu o controle das contas públicas, tanto por gestão temerária, quanto por atuações exógenas, especialmente as advindas de judicializações da saúde. 

O fato, todavia, é que enquanto há vida há esperança. Há veias abertas, positivamente, para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte, como, por exemplo, o redimensionamento do nosso Aeroporto para compatibilizá-lo com a sua concepção original, que seria fazê-lo a porta de entrada para a América do Sul, agregando-o a uma zona franca; fazer chegar entre nós a transposição do Rio São Francisco (faltam apenas 187 km de canal); incrementar a indústria do turismo, porque temos infraestrutura e belezas naturais exuberantes; concluir a Barragem Oiticica, cuja construção vem sofrendo percalços, injustificados, levando a população atingida ao descrédito e à animosidades; concluir o projeto “Baixo Açu”, cuja proposta é irrigar seis mil hectares e até hoje, passados praticamente vinte e cinco anos, não se conseguiu viabilizar um terço desse montante; fomentar as atividades agrárias dos projetos de assentamentos, especialmente revitalizando os projetos Serra do Mel e Lagoa do Boqueirão; retomar a política para o desenvolvimento industrial, evitando a saída das indústrias que aqui estão instaladas e estimulando a vinda de outras tantas para aqui se instalarem; viabilizar mais celeremente a operação dos nossos parques eólicos. Com isto, apenas para exemplificar, haveremos de obter os recursos para corrigir a barafunda que toma conta da receita estadual e, assim, privilegiar os investimentos que tanto se almejam em infraestrutura, saúde, segurança e educação.

04/01/2015


O PADRE VISIONÁRIO QUE APRIMOROU SUA CIDADE

Tomislav R. Femenick – Historiador, membro da diretoria do IHGRN.
padremota11a - 470
Nascido em 1897, Luiz Ferreira da Mota administrou a sua cidade por quase dez anos.
O Padre Mota foi prefeito de Mossoró em três condições diferentes, porém contínuas. Na primeira fase (de 19.01.1936 a 07.09.1937), ele assumiu o cargo de Prefeito Provisório, atendendo a um pedido de Rafael Fernandes Gurjão, então interventor do Rio Grande do Norte; a segunda fase, a de Prefeito Eleito pelo voto popular (de 07.09.1937 a 30.12.1039), foi interrompida pelo golpe getulista que criou o Estado Novo; e o terceiro período, o dePrefeito Nomeado (de 30.12.1937 a 03.04.1945), até quando renunciou.
Luiz Ferreira da Mota nasceu no dia 16.04.1897, em Mossoró, onde estudou no Colégio Diocesano Santa Luzia e no Grupo Escolar Trinta de Setembro. Depois foi aluno do Colégio Santo Antonio, em Natal, e do Colégio Salesiano, no Recife. Matriculou-se no Seminário da Paraíba, mas sua meta era ir para o Colégio Pio Latino-Americano, em Roma. No entanto havia um obstáculo: lá todas as aulas eram em latim. Em dois meses aprendeu o suficientemente para atender essa necessidade e, com apenas 17 anos, embarcou rumo à Itália. Lá foi ordenado padre. Depois de quase nove anos, desembarcou no Rio de Janeiro, no dia 07.09.1922, data em que o Brasil comemorava o centenário de sua independência.
Os recursos
Quando Padre Mota tomou posse, as finanças da Prefeitura estavam totalmente desorganizadas. O orçamento era uma peça de ficção, sem qualquer compromisso com a realidade. As despesas eram medidas com um grau de incerteza absoluta, e as receitas tomadas com base nas “visões” do governante da ocasião. Na fase de execução, tudo era pior.
Como o orçamento não existia concretamente, o Padre Mota tomou uma medida radical: somente fazer qualquer gasto, se houver “dinheiro no cofre”, e depois de pagar aos funcionários da Prefeitura.
Em 1936 a Prefeitura arrecadou 442,4 contos; em 1945, no fim de sua gestão, mais de dois mil contos de reis.
O Funcionalismo
Antes do Padre Mota assumir a Prefeitura de Mossoró, os funcionários eram escolhidos por parentesco ou por ligações pessoais, sem levar em conta os conceitos de capacidade e eficiência no trabalho. Muitos lá estavam simplesmente por ocupar “seus” cargos há muito tempo. Havia, também, os simplesmente ineficientes, por incapacidade ou omissão. Por outro lado, todos ganhavam pouco e estavam com os salários atrasados; muitos funcionários não recebiam há mais de seis meses.
O novo prefeito resolveu essa situação do seu jeito, sem causar traumas, porém sem transigir. Conseguiu que muitos se demitissem por iniciativa própria e outros foram afastados. Somente permaneceram aqueles necessários à Prefeitura. Com esse corte, deu para aumentar os salários e colocar a folha em dia.
A Luta pela Água
Em 1810 um visitante inglês, Henry Koster, já registrava em seu diário de viagem a existência de um rio seco onde estava a localidade chamada de “Santa Luiza”. Anotou que uma casa de fazenda estava abandonada porque a falta d’água teria desiludido seu proprietário, pois a que se obtinha era completamente salobra.
Passaram-se quase cem anos, e só em 1908 é que foi construída a primeira barragem de pedra e cimento. Nos anos seguintes, se iniciaram as escavações de poços com a utilização de maquinas. Ainda no começo do século passado, por iniciativa dos moradores foi criada a Cia. de Água de Mossoró, que perfurou alguns poços de pequena profundidade, construiu reservatórios e estendeu uma pequena rede de distribuição. Todavia, o empreendimento não obteve êxito, pois a água era incerta e ruim.
padremota16 - 470
Padre Mota com Juscelino: um administrador competente
Quando Padre Mota assumiu a Prefeitura de Mossoró, a empresa de água já tinha sido dissolvida. Existiam apenas alguns poços, poucos chafarizes (alguns construídos há mais de 50 anos), algumas cacimbas, bolandeiras e carroças-pipas que transportavam água do rio para as residenciais e estabelecimentos comerciais, sem nenhum tratamento.
Mesmo sem contar com garantia de recursos para a execução, em 1940 o Padre Mota mandou iniciar os estudos para as obras de construção e aparelhamento de uma estação de captação de água, assentamento de rede de distribuição pública, bem como da rede de captação de esgotos, construção de uma estação de tratamento e formação de uma lagoa de decantação. O projeto foi realizado pelo engenheiro Pedro Ciarlini, sem custos para a Municipalidade, a não ser o seu “trabalho de prancheta”.
Esse trabalho serviu de base para o Serviço de Água de Mossoró. Em 1943, o novo interventor do Estado deu andamento aos planos do prefeito Luiz Mota. Dois anos depois, Estado e Município assinaram com o Escritório Saturnino Brito, do Rio de Janeiro, contrato para elaboração do projeto definitivo de abastecimento de água e coleta de esgotos da cidade.
Urbanização da Cidade
Recém-nomeado prefeito, às cinco horas da manhã do dia 20.01.1936 o Padre Mota percorreu a cidade que iria governar. Poucas eram as ruas pavimentadas com pedras calcárias irregulares. A poeira cobria as fachadas das casas com uma camada acinzentada. As águas do rio corriam livremente e adentravam pelo perímetro urbano. Quando o sol estava mais alto, um mormaço começou a se levantar do chão seco das ruas limpas de árvores. Havia poucas plantas em algumas praças, mas eram raquíticas e de pequeno porte. Por toda parte, sujeira e lixo.
Uma das suas primeiras providências foi solicitar ao interventor do Estado a presença urgente de um engenheiro em Mossoró, sem dizer o motivo. Uma semana depois, o padre refez o mesmo itinerário daquela outra manhã, dessa vez acompanhado do engenheiro vindo da capital, “um rapazinho novo, quase sem pelos no rosto”. Expôs suas ideias: canalização do rio aqui, uma ponte ali, calçamento acolá e, assim, foi desfiando o seu rosário de obras. O engenheiro recém-formado ficou meio sem jeito, mas perguntou aonde o padre-prefeito iria arranjar tanto dinheiro para fazer tantas coisas. O padre simplesmente riu.
Inauguração da ponte Jeronimo Rosado - 19.04.1944 - 470
Ponte Jerônimo Rosado, inaugurada na gestão do Padre Mota.
Em 1936, Mossoró tinha somente quatro ruas calçadas. Em 1940, já eram 14, “sem que sejam incluídas várias travessas”. Em sua gestão, foi construída a ponte Jerônimo Rosado, foram assentados quase 50.000 metros quadrados de calçamento e mais de 6.500 metros de meio-fio. Foram construídos cinco jardins e reconstruídos outros dois, o rio Mossoró foi canalizado na área central da cidade, com a construção de 643 metros de balaustradas na margem esquerda, dotadas de 41 postes de iluminação pública. Sua ideia era que ali fossem instalados hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos do gênero, transformando essa arborizada e larga avenida em um verdadeiro boulevar.
Ecologia e Estética Urbana
Nos anos trinta, nem a palavra ecologia nem a percepção desse conceito eram de conhecimento comum, mas Luiz Ferreira Cunha da Mota também não era um nordestino comum. As suas preocupações para com as coisas da natureza e do ser humano o levaram, quando jovem, a pensar em se formar em Agronomia, antes de querer ser sacerdote. Segundo Vingt-un Rosado, foi a junção dessas duas características – o apego à estética e o horror às feiuras físicas e intelectuais – que levaram o Padre-Prefeito a encher as ruas, praças e avenidas de Mossoró com árvores de Fícus Benjamim. As mudas eram plantadas em terra adubada, eram protegidas por engradados e, caso vingassem, os donos dos imóveis em frente aos quais elas tinham sido plantadas recebia um desconto no imposto predial.
Entre 1936 e 1940, Padre Mota mandou plantar mil árvores; de 1941 a 1945, mais 500. As mudas que não cresciam por qualquer motivo eram substituídas por novas. Sempre havia 1.500 pés de Fícus Benjamim. A grande copa de folha verde escuro amenizava o calor irradiado do sol, que a cidade recebe constantemente. As ruas, agora pavimentadas, já não permitiam que o vento nordeste levantasse a poeira do chão e desse uma cor de cinza às fachadas das residências e casas comerciais. A cidade ficou mais acolhedora e humana. Mesmo nos períodos de secas, o verde da fronde dos fícus permanecia e se destacava do imenso pardavasco em que a região se transformava.
O Ensino
Quando Padre Mota assumiu o cargo de prefeito, em Mossoró existiam 42 escolas administradas pelo Município. Querendo se inteirar da situação, mandou fazer um levantamento das condições e das necessidades de cada uma delas. O resultado foi um retrato desolador. Em algumas mal cabiam cinco crianças, em outras, os mestres não tinham condições de ensinar, pois eles mesmos careciam dos conhecimentos mais elementares. Em todas havia carência de material escolar.
Ele mesmo redigiu o que chamava de “Modelo Educativo para as Escolas Públicas do Primeiro Ensino”, com algumas ideias básicas sobre o assunto. Considerava que a escola pública (como meio de instrução do povo) deveria ser voltada para três fatores que se inter-relacionariam. O ensino e a aprendizagem seriam dois deles. A formação do cidadão, o outro, deveria ser o conjunto dos conhecimentos adquiridos na escola.
Novas escolas foram abertas, houve substituição de professores, transferências das aulas para salões paroquiais, igrejas, capelas e até para templos protestantes, bem como aquisições de quadros, giz, livros, cadernos, lápis e outros materiais escolares. Em todas houve reformulação das matérias ensinadas, incluindo-se algumas voltadas para a realidade local, como formação de hortas, higiene, comportamento cívico etc. Em menos de dez anos, o número de alunos mais que dobrou.
Durante o seu período de governo, foram criadas doze novas escolas municipais. Todas bem aparelhadas e com professores habilitados.

03/01/2015

INTELIGÊNCIA E CARÁTER – O EMBATE
 Públio José – jornalista
(publiojose@gmail.com)
                       Pesquisas mais recentes sobre o funcionamento da mente humana, sobre os elementos que regem a formação da inteligência e suas várias formas de manifestação, demonstram não haver, necessariamente, nenhuma relação entre a inteligência e a moral. Os estudos, da mesma forma, concluem pela inexistência de conexão entre a inteligência e a ética, como também entre ela e o caráter. Nesse território ainda pouco vasculhado da mente, a conclusão a que se chega, lamentavelmente, é que o personagem de uma história, para ser inteligente, não terá, obrigatoriamente, de agir em sua comunidade como pessoa de moral, de caráter, de boa índole. Por tais estudos, a inteligência está desatrelada dos demais elementos que constituem a base do comportamento humano, para planar, como águia, acima dos valores e escolher o rumo indicado pela individualidade e pelo livre arbítrio.
                        Tais considerações são pertinentes pelo momento de verdadeira inversão de valores que se observa, praticados na vida das pessoas, independente do segmento social que se venha a analisar. Maliciosos, antiéticos e imorais são visíveis em todos os quadrantes a olho nu, sem a necessidade, para descobri-los, de sofisticados instrumentos de medição científica. De todo modo, a conclusão dos estudiosos vem a calhar, pois passa a estabelecer uma rigorosa conexão científica entre o resultado dos trabalhos acadêmicos e a realidade que se vive no dia a dia contemporâneo. E no que isso tudo resulta? Que conclusões, do ponto de vista prático, podemos tirar de tais observações? É que, se antes o homem, em sua grande maioria, agregava à inteligência fortes conceitos carregados de moral e de ética, atualmente posiciona-se numa direção contrária, separando-a e cultivando-a para a prática de delitos de toda ordem.
                        Se agora está explicado, cientificamente, que a inteligência corre por fora, desligada do caráter, da moral, da ética, nos trejeitos que articula diante dos embates diários da vida, está justificada, então, a onda de safadezas e malandragens que abarrota o noticiário e enche de vergonha, entre outros, os espaços mais nobres da rotina nacional. É corriqueiro, pois, notar-se o uso que se faz da inteligência a serviço dos valores mais mesquinhos, para, como isso, glorificar-se a máxima de que o negócio é levar vantagem – em tudo. Rigor exagerado no que afirmo? Gostaria demais que assim fosse. Gostaria, inclusive, de serem totalmente erradas as observações que faço em torno deste assunto e de outros que compõem o cotidiano humano. Entretanto, não se tapa o sol com a peneira. E o que fica em nós, inexoravelmente, diante da realidade que rola, é o gosto amargo da decepção, da impotência, do desengano.
                        E o caráter como é que fica? Pra que direção se inclina, afinal? Segundo o dicionário, o caráter é o conjunto de traços psicológicos, o modo de ser, de sentir e de agir do indivíduo. Já a inteligência é a capacidade de fazê-lo perspicaz, de fazê-lo aprender com rapidez, de adaptá-lo a situações adversas. Enfim, de resolver pepinos e propor soluções. Daí, logo se vê que a inteligência trava uma luta renhida entre devotar-se a causas nobres, tendo no caráter um bom parceiro, ou amoldar-se de vez às exigências que afloram no contexto da tão apregoada modernidade. Para o caráter manter-se atrelado a princípios morais e éticos, com a inteligência se lambendo por vantagens imorais, não é tarefa fácil. Das duas uma: ou ele vence-a, subjuga-a – para permanecerem ambos num elevado padrão ético –- ou também embarca na gandaia.  Pois, como justificam – com cinismo – os tais inteligentes, resistir, quem há de?    

02/01/2015

REFLEXOS DO NATAL DE 2014


            M E U   C A R O   P A P A I   N O E L
Gileno Guanabara, do IHGRN

Antes de tudo, minhas desculpas por já não ter lhe escrito. Aproveito agora, através do Jornal de Hoje, com a tolerância de Marcos Aurélio. O silêncio é confidente. Por força da idade, não me dou mais o direito de ficar esperando ansioso, na noite do Natal, o presente, seja lá qual fosse. Aguardarei o galo cantar na madrugada e sei que haverá uma nova manhã, sem ilusões.

            O que digo é singelo. Não me refiro à saúde de qualquer de nós, haja vista que os institutos de pesquisas, especialistas em fraudar a intenção política dos outros, terem avisado, para a tranquilidade geral, que já dispomos de alguns anos excedentes. Não obrigatoriamente anos excelentes, mas, ao que parece, a informação tem fundamento, pois vejo os integrantes da terceira idade fogosos, ativos, no comércio, excitados nos bailes funks, diferentes de outrora como eram tratados os idosos.

            Também não almejo um outro amor, puro e verdadeiro, porque o benefício dos prazeres se esgarçou, tanto tempo de serventia e paixão cometida e agora só dá para o gasto da consumição. Não se trata de uma desculpa. No entanto, pergunto: para que um novo amor? ... E respondo que me dou por satisfeito... O agasalho da paixão ganhou com o tempo uma nova configuração. Agora, é a comunhão que se satisfaz em gestos cotidianos, enquanto a pulsação muscular esmorece a cada impulso do ventrículo esquerdo do miocárdio.

            É auspiciosa, Papai Noel, a sua presença, num shopping moderno, com sua fatiota vermelha extravagante, o cabelo e a barba encobertos por fios brancos da lua em serenata, de gorro na cabeça, abraçando as crianças, ainda que por mera obrigação, deixando-se fotografar para as lembranças futuras delas. Tem tudo a ver com o sonho que já não consigo sentir. Do meu recanto, limito-me à alegria da criançada e justifico o esforço, o seu gesto repetitivo de acomodá-las no colo, beijá-las a cada uma, como se fosse a primeira, despertar o afago como lenitivo da amizade desabrochada num sorriso singelo de criança agradecida.

            Concordo que o seu trono é muito enfeitado, Papai Noel, mas é diferente dos sofás ocupados por brutos que mentem e não sabem beijar alguém. A sua cadeira recebe pingos de gente e enormes espíritos de paz, a uma só vez. Diferentemente, no assento deles o cheiro do mofo da maldade não se apaga, falta o gosto da amizade que é capaz de despertar o sono leve de quem, pelo embalo se satisfaz antes do abraço.

            O saco de seda, de cor igual ao de sua roupa, recolhe os presentes a serem doados aos mais animados de seus amiguinhos. Não são lá grande coisa. Mesmo que seja um doce embrulhado em coberturas de papel colorido, já conforta a expectativa mágica de recebe-lo. Pode até acontecer que um presente diferente surpreenda a imaginação criadora de quem não esperava recebê-lo, sem imaginar a graça de quem tenha tido a benfazeja ação de colocá-lo na sua bonança.

            Ao ver o instante mágico de sua chegada, os passos ofegantes, o delírio infantil e esperançoso de um afago, a fita da memória retrocede ao tempo que faz urgir lembranças agradáveis. Tempo da Rua Gonçalves Ledo, outrora “Rua 31 de Março”, onde residiam, entre outras almas santificais, duas gêmeas de sangue e bondade, da família “Leiros”. Seus nomes eram Segunda e Terceira. Deve ter existido Primeira, a quem não conheci. Elas não tinham filhos, eram funcionárias públicas do Lactário do Departamento de Saúde Pública, defronte ao prédio que foi Atheneu, na Avenida Junqueira Aires, começo da Ribeira.

            Na casa das irmãs, no mês de dezembro, ocupando toda a sala de frente, que dava prá rua, as irmãs edificavam o presépio colorido que era aberto à visitação das crianças da Cidade Alta. Havia a integração mágica de luzes minúsculas, biscuits de animais domésticos, pastores com cajado em punho, suplicantes em fila indiana e outros caminhantes. Em especial, as figuras dos três reis magos, que traziam ofertas símbolos da vida, da riqueza e do perfume com o cheiro do perdão. Uma estrela maior se projetava do teto e apontava o caminho. O tapete de arroz, folículos a um mesmo tempo nascidos, dispostos numa integração ecológica, sinalizava a vereda palmilhada pelo bom samaritano, o pai, em resguardo pelo natalício ocorrente. No centro daquela encenação, à meia luz, estava a manjedoura confeccionada de palha, no cerco do curral, acalento simples para a mãe que agasalha o filho. Tinha-se o encanto da perseguição que se projetava em nossa inocência, um rito de adoração que se devotava em êxtase, qual a sobrevivência imaginária do menino rei. O seu louvor se repete em nós todos os anos. Ao final da visita, todos saiam regozijados e constritos. Só não entendia porque, passados os dias de folia dos reis, o presépio tinha de ser desmontado, voltar a usual normalidade da sala. Mas assim é o vai-e-vem da vida, é o correr dos dias.

            A tradição dos presépios, a manjedoura, o menino e o Natal se resumem no mérito de vitrines comerciais ou de árvores de aço estilizadas que disputam o lusco-fusco do consumo, com custeio do poder público. Não sei dizer se o foco delas fomenta o necessário espírito da solidariedade e da boa comunhão entre os mortais. Tudo muito descartável.

            Se a verdade é cruel, Papai Noel, no entanto ela é infinita e diferenciada. A criança cresce e por último ganha semelhanças com os adultos. Alguns falam pouco, pouco dizem. Outros falam demais. Pode até a afoiteza do pecado alterar-lhes a peçonha. Lamento. Concluo, meu bom velhinho, que nem tudo está perdido. Sua presença conforta e sua palavra rouca afaga. Existirão sempre crianças que vão se mostrar esperançosas. De minha parte, devo prosseguir nos caminhos que aprendi, sem cobrar propinas pelo que faço, sem me locupletar, na esperança de um mundo melhor.

            Um Feliz Natal para os que fazem o Jornal de Hoje e seus leitores.

             

             

Meu bom Papai Noel
Augusto Coelho Leal, do IHGRN

                Olha meu velhinho, também fiquei velho como o senhor, com uma diferença o senhor é eterno, eu não, por isso me apreço em lhe escrever, não sei o tempo que me resta.

                Meu bom velhinho, quando criança, fazia minhas cartinhas para o senhor pedindo brinquedos, e o senhor colocava debaixo da minha cama e dos meus irmãos. Quando acordávamos era uma festa, todos abrindo os pacotes para verificar os seus presentes e imediatamente íamos brincar com eles, e com o resto da meninada.

                Hoje Papai Noel, não sou mais criança, já não brinco como criança, mas choro como adulto. Já não corro de alegria com brinquedos nas mãos, mas reflito sozinho, viajo em meus pensamentos, viajo em sonhos, talvez como Don Quixote a procura de moinhos de vento. Mas, tenho ainda esperança que meus sonhos um dia se realizem. Talvez, quando meus netos lerem esta cartinha Papai Noel, digam - meu avô vivia de utopia.

                Papai Noel, peço de presente neste Natal, um presente para todos, um Brasil melhor, um Brasil mais justo. Um país onde todos que ocupem cargos públicos sejam pessoas honestas. Peço um país onde os jovens não sejam disseminados pelas drogas, que tenham direito a vida e não direito a morte. Peço um país onde todas as crianças tenham direito a educação, principalmente as classes sociais de menor poder aquisitivo, pois só assim não teremos os adultos que temos hoje. Que se acabe esta imoralidade de fechar escolas para crianças, pois estamos carentes demais. Peço Papai Noel uma Justiça mais digna, mais honesta, que olhe mais para suas obrigações profissionais do que para os holofotes sociais, que os magistrados não se sintam Deus, mas peçam a sua misericórdia para iluminar na sua árdua função.  Sem uma justiça digna, pouco poderemos fazer. Peço Papai Noel que o povo tenha direito a saúde, que se acabe com essa patifaria de tirar do direito do povo, um direito que é sagrado, que é o direito de viver, mas viver com dignidade. Peço Papai Noel que o povo tenha direito a segurança – aqui uma imoralidade – veja Papai Noel a que ponto chegamos que um secretário de segurança vai a imprensa pedir ajuda a população para diminuir a criminalidade, sei não Papai Noel, meu avô já dizia: Quem não pode com o pote não pega na rodilha. Por falar em criminalidade o senhor deixe um bilhetinho para todas as pessoas do bem que pensem,  reflitam, e tomem atitudes. Não podemos mais permitir este estado de calamidade que se espalhou na segurança por todo Rio Grande do Norte, por todo Brasil. Não podemos mais calar pelos crimes, assaltos, roubos que são praticados na cara de todos, sem que a sociedade reaja. Temos sim, que reagir e cobrar das autoridades (policiais e judiciais) que façam as suas partes.

                Bem meu velhinho, talvez quando senhor ao ler esta carta fique espantado e pergunte a si mesmo. Essas coisas existem? São verdadeiras? Não pode, não acredito! Acredite Papai Noel, existem sim. Vivemos em um País onde existe pouco futuro para os jovens, e pouco, muito pouco amparo para os velhos. Vivemos em um país onde as palavras dignidade e honestidade são poucas conhecidas pelo seu povo. Um povo passivo demais, um povo que perdeu a capacidade de reagir, sofre calado.

                Mas Papai Noel, me ajuda, não deixe que meus sonhos virem moinhos de vento como nos sonhos de Don Quixote, que esses moinhos sejam reais, e cada um espalhe com todas suas forças, em forma de energia, para toda a população, o sentido e compreensão das palavras dignidades e honestidade, precisamos urgente de um país mais digno e honesto.

                Bom meu velhinho, não pense que estou lhe pedindo muito, mas um homem que não sonha, não luta pelos seus direitos é um homem morto. Ainda estou vivo, e enquanto há vida há esperança. Ainda me resta um pouco de vida, portanto um pouco de esperança.

                Um Feliz Natal, um Ano Novo com saúde e paz para todos.

01/01/2015


A economia no segundo governo Dilma

Tomislav R. Femenick – Contador, Mestre em Economia e da diretoria do IHGRN

 

Quando eu cursava o ginasial no Colégio Diocesano Santa Luzia de Mossoró, um dos nossos professores era o padre Cornelio Dankers – um holandês de rosto avermelhado, que não sei como nem porque foi parar nas frondes da caatinga nordestina. Com ele aprendi a diferença entre o conhecimento comum (o “senso comum”, ideias que prevalecem mesmo sem serem comprovadas) e o “senso científico” (o conhecimento baseado na comprovação de experiências repetidas). Citava como sendo sensos científicos perfeitos as teorias de Isaac Newton e as de René Descartes. Newton por suas leis da natureza (inércia, dinâmica e ação e reação), com as quais explicou o movimento harmônico de todo o universo; perfeito, sincronizado. Descartes, por rejeitar a certeza absoluta e só aceitar o que podia ser provado.
Depois me deparei com as teorias de Einstein (tudo é relativo, até o tempo e o espaço), as teorias da física quântica e as novas descobertas dos movimentos dos corpos celestes, estes sempre não sincrônicos. Isso literalmente bagunçou o que eu tinha aprendido antes. Anos depois é que compreendi que até os movimentos não perfeitos podem ser previsíveis, como explica a teoria da probabilidade da mecânica quântica. O que me trouxe de volta à estabilidade da compreensão das coisas foi o meu campo de ação profissional; a economia, a contabilidade, a administração, a história e a sociologia, ciências que se baseiam em verdades comprovadas por testes epistemológicos.
Essa longa introdução tem por finalidade analisar o que pode ser o futuro da economia do país no “novo” governo Dilma. A economia tem suas próprias leis que derivam da natureza humana. São leis que explicam a relação entre causa e efeito, e evidenciam a tendências de certos fenômenos se reproduzirem, mantidas as mesmas condições. Entre elas estão a lei da oferta e da procura, a que justifica porque as pessoas preferem os produtos mais baratos, a que explica porque as pessoas priorizam suas necessidades mais urgentes, a que afirma que os bens só se tornam econômicos quando são excessos, a que diz que a livre concorrência resulta em preços menores etc.
O primeiro governo Dilma raramente seguiu essa cartilha e se caracterizou mais por um comportamento heterodoxo. Por exemplo: incentivou o consumo e não a produção. E quando isso acontece quebra a harmonia entre a oferta e a procura – procura maior que a produção exacerba a escassez dos bens e o resultado é o crescimento da inflação.
O convite a Joaquim Levy para o cargo de Ministro da Fazendo parece ser uma guinada de 180 graus. Seu passado como economista do Fundo Monetário Internacional e do Banco Interamericano de Desenvolvimento e como secretário adjunto do Ministério da Fazenda no governo de Fernando Henrique Cardoso, indicam que a presidente vai dar novos rumos à economia brasileira. As ações de Levy, antes mesmo de assumir a nova incumbência, já denotam isso: contenção dos gastos públicos e superávit fiscal, estudos para revisão de procedimentos das políticas de incentivos, defesa da contenção da inflação, superávit na balança comercial etc.
Para conseguir realizar suas intenções, Joaquim Levy tem que vencer duas aguerridas guerras. Primeiro vencer a ala mais radicar do petismo. Lula conseguiu isso e a atuação do Antonio Palocci foi exitosa enquanto seguiu a mesma política econômica de FHC. Depois Dilma não tem a mesma liderança no PT que tem Lula e de quem é dependente para conter as ânsias populistas do partido. Soma-se a isso a ganância da base aliada. Segundo, vencer a própria Dilma que, com seus rasgos autoritários, se faz presente no Ministério da Fazenda como se acumulasse os cargos de Presidente da República e de Ministra da Economia, ao mesmo tempo.